sábado, 7 de março de 2009

Reflexões da embaixadora norte-americana no Vaticano

Entrevista com Mary Ann Glendon


Por Irene Lagan

BOSTON (EUA), terça-feira, 27 de janeiro de 2009 (ZENIT.org).- Enquanto o novo presidente, Barack Obama, embarca em sua missão de alinhar os Estados Unidos em uma nova direção, muitos dos embaixadores escolhidos pela ex-administração estão voltando para casa.

A embaixadora Mary Ann Glendon, que representou os Estados Unidos na Santa Sé, já retornou para Boston, onde é titular da cátedra Learned Hand de Direito na Havard University. A ex-embaixadora também resumirá seu trabalho como presidente da Academia Pontifícia de Ciências Sociais.

Nesta entrevista à Zenit, Glendon oferece algumas reflexões sobre seu trabalho em Roma, que durou cerca de um ano.

– Após representar o Vaticano por tantos anos, como foi representar os Estados Unidos na Santa Sé?

– Gledon: Como representante da Santa Sé nas Nações Unidas, eu estava envolvida em um tipo de trabalho com o qual nós, advogados, estamos acostumados – o direito focado em assuntos específicos, tais como metas de desenvolvimento e direitos humanos. O que tornou a posição de embaixadora para a Santa Sé especialmente fascinante para mim foi sua variedade. Praticamente todo dia esta função trouxe novas experiências e novidades por causa das preocupações do Vaticano, como as dos Estados Unidos, no âmbito mundial.

A Santa Sé tem relações diplomáticas com 177 nações; sua voz moral alcança quase todo canto da terra, e sua rede de paróquias, dioceses e colaboradores de ajuda humanitária a faz um extraordinário «posto de escuta». Muito do meu trabalho também envolveu «diplomacia pública» – falar e escrever sobre temas de preocupação comum para os Estados Unidos e para a Santa Sé.

E é claro que eu era responsável pela administração diária de uma pequena, mas muito movimentada embaixada. Para alguém como eu, que ensina no campo internacional, foi um grande privilégio ser capaz de adquirir em primeira mão um conhecimento sobre o Departamento de Estado dos Estados Unidos, dos Corpos Diplomáticos da Santa Sé e a arte da diplomacia como é praticada nestes tempos desafiadores.

– Quais foram suas maiores conquistas e desafios durante seu tempo como embaixadora?

– Glendon: Sinto-me muito afortunada por ter servido a nação em um momento em que as relações entre os Estados Unidos e a Santa Sé estavam especialmente próximas, como evidenciou a histórica visita de Bento XVI aos Estados Unidos em abril de 2009 e a extraordinária hospitalidade mostrada ao presidente George Bush em sua visita ao Vaticano, em junho.

Não apenas o Papa e o presidente partilharam uma visão comum global dos assuntos culturais e sociais, mas houve uma forte correspondência entre as visões do governo americano e da Santa Sé sobre a importância de fortalecer o consenso moral global contra o terror (especialmente contra o uso da religião como uma justificativa para a violência); promover os direitos humanos (especialmente a liberdade religiosa); fomentar o diálogo inter-religioso; e combater a pobreza, a fome e doenças através de parcerias entre governo e instituições baseadas na fé.

Em nosso mundo cada vez mais independente, mas cheio de conflitos, é um desafio encontrar formas de levantar e reforçar aqueles que partilham valores. Mas uma excelente oportunidade para fazê-lo aconteceu neste ano, em que as relações diplomáticas entre os EUA e a Santa Sé completaram 25 anos, com o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Desde que a Declaração expressa tantos ideais para os quais os EUA e a Santa Sé estão dedicados, a conjunção daqueles aniversários ofereceu muitas ocasiões de explorar e expandir um terreno comum. Desta forma, consegui que nossa embaixada patrocinasse uma série de conferências sobre vários aspectos dos direitos humanos. Estou feliz por dizer que foram muito bem frequentadas – e acredito que ajudaram a aprofundar no relacionamento bilateral enquanto conseguir novos públicos com as mais altas e melhores tradições da América.

– Você mencionou que uma prioridade seria destacar o tema dos direitos humanos. Ao deixar seu atual cargo, qual sua perspectiva no que diz respeito aos direitos humanos no âmbito global?

– Glendon: Analisando o mundo contemporâneo, ninguém pode negar que a luta pela liberdade humana e a dignidade têm um longo caminho a ser trilhado. Mas o movimento dos direitos humanos que iniciou na segunda metade do século 20 tem conquistas impressionantes a seu favor: desempenhou um importante papel na queda dos regimes totalitários no Leste Europeu e no apartheid na África do Sul; ajudou a destacar a publicidade sobre abusos que de outra forma teriam sido ignorados; e efetivamente desacreditou a idéia de que o tratamento dos cidadãos de uma nação cabe exclusivamente àquela nação. Como Bento XVI disse em seu discurso às Nações Unidas no ano passado, «direitos humanos estão sendo cada dia mais apresentados como uma linguagem comum e um substrato ético de relações internacionais».

Mas quanto mais a idéia dos direitos humanos tem mostrado seu poder, mais intenso tem se tornado a luta para capturar esse poder por vários outros fins, que não são respeitosos da dignidade humana. Os ideais dos direitos humanos estão sob constante assalto do relativismo cultural e filosófico, que nega que qualquer valor seja universal. Ao mesmo tempo, têm sido minados indiretamente, por uma escalada de demandas por novos direitos, pela propagação de abordagens seletivas ao núcleo comum dos direitos básicos, por interpretações muito individualistas dos direitos, e por esquecimento da relação entre direitos e responsabilidades.

– Em seus encontros com Bento XVI, o que foi mais memorável?

– Glendon: Certamente, eu jamais esquecerei a visita de Bento XVI aos Estados Unidos, tão cheia de momentos e imagens marcantes, com cada discurso repleto de esperança e encorajamento; e o tão perfeitamente atencioso às pessoas às quais ele se dirigia. Depois de passar um ano em Roma, também me lembrarei de momentos silenciosos que foram especialmente reveladores do caráter pastoral desse homem sábio e gentil, seu dom de falar sobre Deus com crianças e jovens, e suas palavras paternas aos recém-ordenados sacerdotes.

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